terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O Autógrafo

Sempre começa com uma pergunta, uma dúvida, uma procura incessante, uma curiosidade, mas geralmente com a mesma proposição…"pode dizer-me se tem (…)?" E pode ser sempre tanta coisa tão diferente entre si. Essa é também a premissa do Alfarrabista. A capacidade de num só espaço albergar tanta e tanta coisa diferente e no entanto interligada entre si.  Muitas vezes digo que não, mas felizmente, são mais ainda as vezes que digo que sim. Com um sorriso nos lábios ,pois claro. Por vezes, confesso que me sinto qual Joana d’Arc  ante a fogueira perante o olhar perscrutador dos clientes. Mas basta o sorriso e fica tudo bem.  E tantas e tantas vezes sou surpreendida pelos pedidos e inquietações dos que aqui entram. 
Hoje a palavra chave é autógrafo. Se tenho fotografias ou postais com autógrafos.  Em inglês correcto, embora perceba claramente um sotaque com forte influência germânica. Por momentos, o meu cérebro pára e começa a discorrer para trás na memória a palavra autógrafo. Na verdade, o que existe de mais semelhante são postais escritos no inicio do século passado, uma vez que havia o hábito de assinarem sempre com o nome completo, em uma caligrafia como já não há. Não são autógrafos de pessoas famosas, são apenas e só nomes sem face e perdidos no tempo. Mas são cheios de personalidade e sentimento. E acaba por ser isso mesmo que digo ao Michael. E mostro-lhe os postais para que ele possa mexer e remexer. Enquanto isso, inicia uma conversa do mais deliciosa, se é que é possível.
 "Sabe porque gosto de autógrafos?"...pergunta ele,  e sem esperar resposta conta-me um pouco  da sua infância. É da Bavária. É o filho varão de uma família de 5 filhos. Todos homens.  Diz-me com um sorriso triste que os progenitores eram pessoas pouco dadas aos afectos e que enviaram todos os filhos ao mesmo colégio interno e que toda essa frieza germânica desembocou em que ele e os irmãos não tivessem correspondência por parte dos pais. E cada um à sua maneira tentou preencher esse vazio de uma forma muito própria. Michael decidiu ler o dicionário. Começou por um pequeno de língua alemã. Intrigava-lhe as palavras, os significados, os sons. Leu de A a Z. Depois passou para um dicionário maior.  De História Universal. E depois em um outro que falava dos grandes nomes da nossa era. E fixou-se nos nomes daqueles que tinham imagem. De áreas tão díspares entre si, como política, artes, literatura ou cinema. E que eram vivos ainda. Como Picasso. Hemingway. Chiang Kai-shek. Ford. Decidiu enviar-lhes cartas em que falava de si mesmo, do seu a dia no colégio e da sua solidão. A premissa era a de que tinham que ter foto, porque na sua ignorância infantil, esse era o garante de ser uma pessoa importante. E inexplicavelmente e talvez até não, esses mesmos ícones, responderam-lhe enviando pequenas missivas de conforto. E com um autógrafo. Talvez eles mesmos fossem também, portadores de uma enorme solidão e conheciam o sentimento, diz ele.
Com isto, Michael coleccionou mais de 200 autógrafos de personalidades todas elas incontornáveis.   Deixa aos seus filhos um espólio que mais do que valor monetário, tem  um valor sentimental extraordinário. E tudo começou com um dicionário em um colégio interno algures na Bavária. Hoje é uma exposição renomada e premiada que viaja pela mundo. Chama-se “Notorious boys and Awesome girls”.
E o Alfarrabista é também esta partilha de afectos e de histórias. Michael leva no bolso postais escritos de anónimos portugueses, mas a sua história fica aqui.

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