Sempre começa
com uma pergunta, uma dúvida, uma procura incessante, uma
curiosidade, mas geralmente com a mesma proposição…"pode
dizer-me se tem (…)?" E pode ser sempre tanta coisa tão
diferente entre si. Essa é também a premissa do
Alfarrabista. A capacidade de num só espaço albergar
tanta e tanta coisa diferente e no entanto interligada entre si.
Muitas vezes digo que não, mas felizmente, são mais
ainda as vezes que digo que sim. Com um sorriso nos lábios
,pois claro. Por vezes, confesso que me sinto qual Joana d’Arc
ante a fogueira perante o olhar perscrutador dos clientes. Mas basta
o sorriso e fica tudo bem. E tantas e tantas vezes sou
surpreendida pelos pedidos e inquietações dos que aqui
entram.
Hoje a palavra chave é
autógrafo. Se tenho fotografias ou postais com autógrafos.
Em inglês correcto, embora perceba claramente um sotaque com
forte influência germânica. Por momentos, o meu cérebro
pára e começa a discorrer para trás na memória
a palavra autógrafo. Na verdade, o que existe de mais
semelhante são postais escritos no inicio do século
passado, uma vez que havia o hábito de assinarem sempre com o
nome completo, em uma caligrafia como já não há.
Não são autógrafos de pessoas famosas, são
apenas e só nomes sem face e perdidos no tempo. Mas são
cheios de personalidade e sentimento. E acaba por ser isso mesmo que
digo ao Michael. E mostro-lhe os postais para que ele possa mexer e
remexer. Enquanto isso, inicia uma conversa do mais deliciosa, se é
que é possível.
"Sabe porque gosto de
autógrafos?"...pergunta ele, e sem esperar resposta
conta-me um pouco da sua infância. É da Bavária.
É o filho varão de uma família de 5 filhos.
Todos homens. Diz-me com um sorriso triste que os progenitores
eram pessoas pouco dadas aos afectos e que enviaram todos os filhos
ao mesmo colégio interno e que toda essa frieza germânica
desembocou em que ele e os irmãos não tivessem
correspondência por parte dos pais. E cada um à sua
maneira tentou preencher esse vazio de uma forma muito própria.
Michael decidiu ler o dicionário. Começou por um
pequeno de língua alemã. Intrigava-lhe as palavras, os
significados, os sons. Leu de A a Z. Depois passou para um dicionário
maior. De História Universal. E depois em um outro que
falava dos grandes nomes da nossa era. E fixou-se nos nomes daqueles
que tinham imagem. De áreas tão díspares entre
si, como política, artes, literatura ou cinema. E que eram vivos
ainda. Como Picasso. Hemingway. Chiang Kai-shek. Ford. Decidiu
enviar-lhes cartas em que falava de si mesmo, do seu a dia no colégio
e da sua solidão. A premissa era a de que tinham que ter foto,
porque na sua ignorância infantil, esse era o garante de ser
uma pessoa importante. E inexplicavelmente e talvez até não,
esses mesmos ícones, responderam-lhe enviando pequenas
missivas de conforto. E com um autógrafo. Talvez eles mesmos
fossem também, portadores de uma enorme solidão e
conheciam o sentimento, diz ele.
Com isto, Michael
coleccionou mais de 200 autógrafos de personalidades todas
elas incontornáveis. Deixa aos seus filhos um
espólio que mais do que valor monetário, tem um
valor sentimental extraordinário. E tudo começou com um
dicionário em um colégio interno algures na Bavária.
Hoje é uma exposição renomada e premiada que
viaja pela mundo. Chama-se “Notorious boys and Awesome girls”.
E
o Alfarrabista é também esta partilha de afectos e de
histórias. Michael leva no bolso postais escritos de anónimos
portugueses, mas a sua história fica aqui.